Foto de Antoninho Perri – Edição de Imagem Fabio Reis
Por : Jornal da Unicamp – 19/10/2015 – Manuel Alves Filho –
Num contexto em que uma em cada cinco crianças de oito anos não sabe ler frases, como apontou avaliação divulgada em setembro pelo Ministério da Educação (MEC), uma pesquisa da Unicamp concluída recentemente revela que a atuação de professores em sala de aula amplia ainda mais o fosso entre aqueles alunos que fracassam e os que têm sucesso no processo de aprendizagem.
O estudo, conduzido junto a professoras de escolas públicas estaduais do Ensino Fundamental I de Campinas, identificou que, em geral, estas profissionais deixam de lado os alunos que têm mais dificuldade de aprendizado, enquanto deveria ocorrer o contrário. A pesquisa se baseou no relato das próprias professoras sobre suas percepções em relação a crianças com dificuldades escolares.
“Pelo estudo, percebemos que as professoras se posicionam e dão melhor retorno no ambiente escolar para aquelas crianças que têm menos dificuldade de aprendizagem. Já as crianças que mais precisam, como as que apresentam, por exemplo, dislexia, transtorno de déficit de atenção, hiperatividade e outras dificuldades de leitura e escrita, são relegadas”, constata a psicóloga Letícia da Silveira Ioshida, autora do trabalho.
A pesquisa foi desenvolvida por ela como dissertação de mestrado junto ao Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Prof. Dr. Gabriel O. S. Porto” (Cepre) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. A docente Ivani Rodrigues Silva, do curso de graduação em Fonoaudiologia, orientou a pesquisa. Ivani Rodrigues também atua como professora na pós-graduação, no Programa em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação da FCM.
Letícia Ioshida explica que as crianças com dificuldades, com os quais as professoras se sentem incapazes de lidar, são, muitas vezes, encaminhadas para serviços especializados. Isso acontece, por exemplo, com os alunos que são atendidos no próprio Cepre, por meio de um estágio de leitura e escrita, realizado com o auxílio de graduandos do curso de Fonoaudiologia.
“As professoras entendem que aquele problema está fora da alçada delas e já encaminham os alunos para um serviço especializado. Inclusive, pelo estudo, identificamos algumas posturas destas profissionais no sentido de justificar a própria atitude de relegarem estes alunos. Elas falam: ‘ah, ele fica na dele mesmo, ele não participa porque é assim…’ Ou seja, as professoras atribuem este desânimo do estudante com dificuldade a um traço de personalidade, mas ao mesmo tempo, elas não incentivam estes alunos como fazem com os estudantes que se destacam”, ressalta.
OLHAR E POSICIONAMENTO
A autora da pesquisa esclarece a importância do “olhar” do professor e a maneira como posiciona os alunos e se posiciona diante deles. Tal postura em sala de aula seria fundamental, de acordo com ela, no impacto em atitudes positivas ou negativas dos alunos no processo de aprendizado. Dentre as posturas desejáveis, a pesquisadora salienta o que ela denominou de “pedagogia culturalmente sensível”, termo cunhado pelo estudioso Frederick Erickson.
Trata-se, segundo Letícia Ioshida, de aproveitar as experiências e vivências que as crianças trazem consigo e implementar estratégias de envolvimento, permitindo que os alunos se posicionem. É fundamental neste processo tomar o estudante como um sujeito com potencialidades, respeitando suas peculiaridades, acolhendo suas sugestões e tópicos e incentivando-o a manifestar-se.
“Se o profissional posiciona o aluno como capaz, como aquele que pode aprender, isso vai influenciar positivamente esta criança. O posicionamento do professor vai desde olhar para o aluno, falar num tom de voz mais afetivo, chamar pelo nome, fazer um reforço verbal, até incentivar a iniciativa argumentativa. O que não pode acontecer é o profissional achar o estudante incapaz, não chamá-lo para fazer atividades, entre outras atitudes”, exemplifica.
Para Ivani Silva, atitudes negativas acabam favorecendo ainda mais o fracasso do aluno em sala de aula. “As crianças, encaminhadas com dificuldades, estão fracassando na escola. E as professoras entendem que a escola deve lidar mais com aqueles que estão aprendendo e não com os que não aprendem. Portanto, muitas crianças em processo de aquisição de leitura e escrita poderiam beneficiar se tivessem sido melhores posicionadas pelas professoras ou pela equipe escolar.”
SISTEMA ENGESSADO
A orientadora da pesquisa pondera, no entanto, que não se trata de culpar a figura do professor. Ela afirma que as condições do sistema de ensino atual, tanto público quanto privado, provocam situações como as relatadas pela pesquisa. As classes são superlotadas, a remuneração é baixa e falta tempo e oportunidades para cursos de formação e de reciclagem, critica Ivani Silva.
“O sistema de ensino é engessado. As salas deveriam ser menos lotadas, os professores deveriam ter mais oportunidade e tempo para fazer cursos e reciclagens. Para poder ter um salário mais digno, o profissional acaba dando aula em várias escolas. Mesmo dentro da escola particular é uma estrutura vigente: salas numerosas e professores que têm que dar conta de tudo. Portanto, a estrutura escolar precisa ser repensada.”
Ainda de acordo com a docente, a formação dos professores é muito deficitária, sobretudo no aspecto da inclusão e do trabalho com a diversidade. “Eles são formados para lidar com uma determinada parcela da população e não é isso que encontram em sala de aula. Os professores saem de suas formações imaginando que vão apenas encontrar alunos ideais, mas encontram estudantes reais, alunos deficientes, surdos, cegos… É essa diversidade que a escola necessita repensar”, acrescenta.
Neste sentido, destaca Letícia Ioshida, tradicionalmente a escola tem uma expectativa para um aluno ‘ideal’. “O aluno que já chega com uma base de aprendizado e atende às expectativas, serve para a escola. O outro é isolado, marginalizado, e acaba fracassando. Este estudante passa a não gostar da escola, pois, a partir do momento em que frustra estas expectativas de aluno ‘ideal’, deixa de ser considerado como um aluno da escola.”
ESTAGIÁRIAS
Além de investigar as percepções de professores, o trabalho também avaliou como as estagiárias que cursam o 6º semestre do curso de fonoaudiologia da Unicamp lidam com os alunos com dificuldade de aprendizado encaminhados à clínica escola que funciona no Cepre.
Conforme Ivani Silva, que coordena o estágio na Unidade, os resultados da pesquisa junto a este grupo de universitárias foi importante para “dar feedback em relação às áreas do curso de fonoaudiologia cuja reflexão deve ser intensificada.” “São alunos em formação, não são profissionais ainda. Uma das nossas hipóteses é que o aluno da fonoaudiologia necessita, nessa fase de sua formação, de mais experiência com essa temática. Ao estarem mais próximos da área educacional, eles podem avaliar, de forma mais efetiva, essa situação.”
METODOLOGIA
O trabalho apontou atitudes que auxiliam ou prejudicam o desempenho acadêmico e a autoestima em sala de aula ou nos atendimentos realizados no Cepre, além de verificar semelhanças e diferenças nos relatos das professoras e estagiárias. De acordo com Letícia Ioshida, a coleta de dados foi realizada em seis escolas por meio de entrevistas semiestruturadas com as professoras e com as estagiárias, sendo registradas por meio de gravações em áudio. Posteriormente foram realizadas as transcrições e análise dos dados.
“Fizemos um estudo qualitativo. Professoras e estagiárias foram entrevistadas sobre desempenho acadêmico, relações interpessoais, comportamento e estratégias para trabalhar com as crianças. O tratamento dos dados foi realizado por meio de análise de conteúdo. O objetivo do estudo foi contribuir para a educação no sentido de identificar posturas e intervenções que podem beneficiar ou prejudicar a criança, possibilitando reflexão e planejamento do trabalho com estratégias mais eficazes.”
Dissertação: “Percepções sobre crianças com dificuldades escolares”
Autora: Letícia da Silveira Ioshida
Orientadora: Ivani Rodrigues Silva
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
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Tags: dificuldades na aprendizagem, inclusão escolar
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