Saiu na Revista Educação. (aqui) – junho/2015
Entrevista com Claudio Naranjo: professor deve se dedicar ao desenvolvimento humano, não à incorporação de conhecimentos
Levar educadores ao desenvolvimento de competências humanas para modificar práticas educacionais no mundo é parte do trabalho do psiquiatra indicado ao Nobel da Paz em 2015.
Apesar da postura serena, olhar amistoso e voz tranquila, o médico psiquiatra de origem chilena Cláudio Naranjo, 83, é veemente ao falar. “A educação não educa. É uma fraude. Não se deve confundir instrução com educação”, diz, apontando na política pública parte da origem de suas constatações. “É como se o objetivo dos governos fosse manter as pessoas amortecidas.”
Indicado ao Prêmio Nobel da Paz deste ano, Naranjo dedica parte de seu trabalho, há 15 anos, à transformação dos processos de ensino e aprendizagem a partir do reconhecimento de si e do outro. Acredita ser esse um dos principais desafios do milênio. No universo da psicoterapia, é reconhecido como um dos mais significativos profissionais em atuação da atualidade. Há mais de 40 anos em atividade e com diversos livros publicados, Naranjo fundamentou linhas psicológicas, integrou a sabedoria oriental aos processos científicos ocidentais de estudo do comportamento humano, e fundou uma abordagem de desenvolvimento denominada SAT (sigla em inglês para Seekers After Truth), um programa holístico constituído por práticas da psicoterapia moderna, concepções espirituais, meditação, terapias corporais e de gestalt. Com a SAT, tem rodado o mundo todo fazendo palestras para gestores educacionais. No Brasil, em maio, para lançar seu mais recente livro, A revolução que esperávamos (Verbena Editora), também palestrou para pais e professores. Em sua mais nova obra, o psiquiatra afirma que a crise atual só pode ser superada por uma mudança profunda no modelo educacional – evoluindo da transmissão de conhecimento para a formação de competências existenciais. De São Paulo, de onde concedeu a entrevista a seguir para Educação, Naranjo seguiu para a Câmara dos Deputados, em Brasília, para proferir a palestra “A cura pela educação – uma proposta para uma sociedade enferma“.
O que motivou o senhor a desenvolver trabalhos no setor educacional?
No início dos anos 2000 me convidaram para um congresso de educação na Argentina. O evento reuniu mais de dois mil educadores e, pela primeira vez, tive um contato tão direto com o setor. No decorrer de minha palestra, sentia cada vez mais viva a resposta daquelas pessoas. Foi como uma ressonância empática ao que eu falava. Compreendi naquele momento a ‘sede’ dos educadores e a importância de levar a eles meu trabalho de formação, desenvolvido junto aos terapeutas.
Qual seria o diferencial do seu trabalho para os educadores?
Na ocasião desse congresso foram abordados muitos temas relacionados à inteligência emocional, houve a exposição de diversas visões. Apesar disso, senti meu trabalho como algo mais transformador e, ao mesmo tempo, desconhecido da plateia. Contudo, se passassem a conhecê-lo, o trabalho teria um valor social mais abrangente. Tive a certeza de que haveria um efeito multiplicador. Afinal, os professores permeiam a formação das sociedades. Todos passamos por escolas.
Como o senhor define a proposta do seu trabalho?
Eu proponho a junção de conhecimentos e técnicas terapêuticas, como a meditação budista, a psicologia dos eneatipos, o teatro terapêutico, o teatro oriental do autoconhecimento, o movimento espontâneo e o processo terapêutico supervisionado em que as pessoas se ajudam. Isso constitui um currículo interno básico, oferecido no programa SAT. Esse programa foi originalmente constituído na Califórnia, no início dos anos de 1970, e trazido ao Brasil por Alaor Passos, há mais de 20 anos. É um trabalho avançado de autoconhecimento dirigido à transcendência da personalidade, ao desenvolvimento do amor, à melhora da qualidade de vida e da capacidade de ajuda psicoespiritual. Qualquer pessoa pode participar dele. E cada vez mais, eu trabalho para os educadores envolverem-se nesse processo.
Qual tem sido o resultado dessas práticas junto aos professores?
A proposta é estabelecer o desenvolvimento de competências existenciais, não técnicas. Eu as classifico como amor ao próximo (empático); amor aos ideais (devocional); amor a si (desejos); a consciência do presente; o autoconhecimento (quem sou) e o desapego. Essas competências têm sido negligenciadas ao longo dos anos. Percebo que os professores difundem, entre si, os resultados encontrados a partir de suas experiências, de sua transformação. A formação permite a eles que sejam mais completos como pessoas, consequentemente, melhores profissionais. Eles se tornam mais felizes. Lembro, ainda, que essa iniciativa pode chegar àqueles professores constantemente oprimidos pelo sistema, sem condições financeiras adequadas, sem energia. Atingi-los, contudo, não é uma condição simples. Para essas situações as autoridades governamentais e educacionais precisam dar uma resposta.
Como essas ‘competências’ qualificam o educador para o seu trabalho cotidiano?
Para ser um bom educador, ou ser bom profissionalmente em qualquer área, é preciso ser uma boa pessoa. É preciso se relacionar com o outro como pessoa, ser um modelo de pessoa, e não apenas um modelo de saber.
O que o senhor quer dizer com “modelo de pessoa”?
A educação destina-se ao desenvolvimento humano, não à incorporação de conhecimentos. Para quê passar anos oferecendo ao jovem o conhecimento do mundo exterior quando já o encontramos no Google? De que serve essa prática? Isso é um roubo da vida do jovem. Isso serve para quê? Para passar anos somente para aprender a se sentar quieto? Para treinar a obediência? Nesse contexto, o educador tem imposta uma vestimenta interna de atitude, de respeito à autoridade educacional. Isso dificulta que ele tenha uma voz transformadora.
Que modelo de educação teria esse caráter transformador?
Quando feita para o desenvolvimento humano, a educação nos leva a ser o que somos em potência, ou seja, seres completos. Mas somos como árvores retorcidas que não têm sol por um lado, e esticam seus galhos para conseguir água. Temos uma vida muito raquítica.
Quais as causas dessa situação?
Hoje se governa para a inconsciência. Como se o objetivo da educação fosse manter as pessoas adormecidas, robóticas, obedientes à força do trabalho construída com a Era Industrial, o que continua sendo a motivação opressiva da educação. Não sei, porém, dizer se essa circunstância é uma vontade. Talvez haja indivíduos querendo modificar isso, mas a inércia burocrática é grande demais.
Como se vê nesse contexto?
Como um indivíduo fora do sistema, insultando-o ao dizer: a educação é uma fraude. A educação não educa. Não se deve confundir instrução com educação. Esse modelo fracassou. Minha convicção é que se deve mudar a consciência e para isso é preciso mudar a educação. Apelo à Organização Mundial do Comércio (OMC) como uma instância com poder para fazer parte dessas modificações.
Qual o papel da OMC nessa mudança educacional?
Eles incentivam a globalização dos negócios, mas não favorecem a globalização da ecologia, da educação, entre outros aspectos que deveriam, também, se globalizar. Eles são responsáveis por uma desumanização no mundo. Fala-se muito da pobreza e, sim, é certa a existência de muita pobreza externamente. Mas nossa pobreza interna não é tão visível, tão óbvia. A pobreza gera voracidade, pois estamos incompletos. Somos como zumbis devoradores, transformando os outros em zumbis por contágio. Isso nos torna uma sociedade inconsciente e voraz. O problema do mundo é a voracidade, do poder de ter dinheiro. Da primazia dos bens por cima do bem. Isso só pode ser resolvido se formos seres completos. Temos uma sociedade violenta.
Como incentivar educadores a fazer parte desse trabalho?
É preciso incentivo das autoridades, de governos ou da direção das escolas. Já temos algumas experiências exitosas na Espanha e Itália junto aos professores. Obtivemos, também, resultados positivos no México e Uruguai. Mas o papel da direção das instituições, públicas ou privadas, é importantíssimo para o engajamento dos docentes. Principalmente daqueles mais desmotivados por sua condição de trabalho.
Como engajar autoridades governamentais e educacionais?
Sempre estou disposto a convidar a todos para conhecer essa proposta educacional. Quero encorajar as autoridades sobre o valor desse processo. Me coloco como um facilitador desse programa que acontece por meio das atividades da Escola SAT, que está aberta a todos, educadores ou não, oferecendo um programa de humanização.
O senhor defende conceitos de pedagogia do amor. O que é isso?
Basicamente, que para a existência de uma pedagogia do amor se requer amar ao próximo como a si mesmo, um preceito do cristianismo. As pessoas não se dão conta de que não se pode amar aos outros sem amar a si. Tampouco se dão conta de que também têm a capacidade de odiar a si mesmas, ao se tratarem como escravas, se explorarem, desvalorizarem. As pessoas têm uma mente como Freud descrevia, como que dividida entre um perseguidor e um perseguido.
Related Posts
Tags: Cláudio Naranjo, pedagogia do amor
Veja Também:
Por favor, Deixe um comentário aqui !
- Deliberação CEE-SP 177/2020
- Data-corte de alunos estrangeiros no Estado de São Paulo
- Certificado inválido, testemunho de como resolver o problema
- Data-corte: no Estado de São Paulo segue tudo igual para matrículas escolares 2019
- Ensino domiciliar será discutido no STF em 30/08/2018
- 3 milhões de visitas a este blog. Gratidão!
- Data-corte: análise jurídica
- Curso online: Nossos alunos estão suicidando-se
- Lei Estadual do Rio de Janeiro garante matrícula de crianças com 5 anos no 1º Ensino Fundamental
- Data-corte: STF decide que data-corte 31/03 é constitucional
- Deliberação CEE-SP n.155/2017 prescreve procedimentos para o Recurso contra Reprovação
- A atuação dos Conselhos de Série, Classe e Colegiados similares
- A faculdade não quer lhe dar o diploma porque há problema com o seu certificado de ensino médio? Faça uma consulta conosco
- Escola, não sofra uma ação judicial
- Certificado inválido? Vale a pena contratar uma consultoria
- Meu certificado do ensino médio é inválido! E agora?
- ENCCEJA – faça a sua inscrição
- A sombra azul
- Curso on-line para advogados ou gestores escolares
- Aluna negra sofre bullying na escola e está em casa sob tratamento médico
- Bullying e o que nos ensina o seriado 13 Reasons Why
- Novo Ensino Médio foi aprovado no Senado
- Matrícula 2017 : conhecendo o Regimento Escolar.
- Revistar aluno dentro da escola é legal?
- Carta Aberta: Pessoas cegas arriscadas de perderem direitos!! Pede apoio e divulgação
- Presente para os professores
- Data-corte: olha eu aqui outra vez!
- Rio Grande do Sul mantém a data-corte 31/03
- Cai a data-corte 31/03 segundo o Conselho Nacional de Educação
- Direitos do Aluno: inclusão escolar
- As três peneiras de Sócrates
- Certificados de ensino médio e as escolas a distância
- SOCORRO! Meu certificado de ensino médio é inválido!
- Janela da Alma, documentário que fala sobre deficiência visual
- Mato Grosso: sentença de juiz derruba a data-corte para o ingresso no 1o ano do ensino fundamental e Educação Infantil
- Análise Longitudinal do Número de Matrículas
- Matrícula 2017: sua escola está preparada?
- Cinco Dicas para a Escola Particular Conquistar Mais Alunos
- Tenho 18 anos, mas a escola chama os meus pais para liberarem a minha saída.
- Superdotação e Dupla Excepcionalidade
- Curso de LIBRAS gratuito e online
- Quer se preparar para o ENEM 2016 de graça?
- Selecionados pelo Fies podem fazer contrato a partir de hoje
- Um presente para vocês!
- Matrículas 2016 – Escolas, cuidado com a lista de material escolar !
- Matrícula 2016 -PROCON Rio de Janeiro autua escolas particulares
- Escola Particular tem que cumprir a Lei Brasileira de Inclusão de Pessoas com Deficiência
- Obrigatório ter mobiliário para alunos com deficiência no Rio de Janeiro